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É comum supor que crianças não compreendem a morte. Por isso, muitas vezes, tem-se a ideia de que tudo que é relacionado a este conceito é prejudicial para a criança, fazendo com que exista um silêncio amedrontador em que surgem metáforas e desconversas sobre a morte.
A criança vivencia o luto, contudo o elabora de uma forma diferente, de um modo muito próprio, com características especificas. Assim, é um equivoco impor para a criança o modelo de luto de um adulto. Crianças e adultos têm reações emocionais e comportamentais diferentes perante a morte.
A forma como a criança vive o luto e representa internamente a morte varia de acordo com a idade, a personalidade, o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento social e a cultura na qual está inserida.
Na literatura, diversos autores ressaltam que o não falar sobre morte com crianças pode acarretar perturbações em seu desenvolvimento. Estas alterações podem se tornar evidentes, sobretudo quando ela passa pelas experiências de perda e luto. Observa-se que a falta de informações sobre o que de fato acontece contribui para que a criança dê asas à sua imaginação, o que propicia uma visão distorcida da morte, alimentando medos e culpa.
A perda implica em uma readaptação para continuar a viver sem aquele que faleceu. Este processo influencia do desenvolvimento infantil e pode até mesmo influenciar na capacidade de socialização, no autoconceito, na forma de viver emoções e afetos, bem como no estabelecimento de vínculos futuros. Também pode influenciar no aparecimento de sentimentos de inferioridade, fragilidade e até mesmo incapacidade para lidar com assuntos delicados. 
Com a perda, a criança pode desenvolver sentimentos de desamparo e impotência, pois era a partir dos vínculos rompidos que ela explorava o mundo e se sentia protegida. O vínculo existe quando os comportamentos de duas pessoas se influenciam reciprocamente e geram sentimentos de afetividade.
A perda que desencadeia o luto significa deixar de ter o que se tinha, implicando na maioria das vezes, a ausência de um vínculo afetivo. Essa perda pressupõe uma mudança drástica e estressante no contexto ambiental. Quanto mais forte é o vínculo, mais a perda e a morte são emocionalmente sentidas e mais dificilmente ultrapassadas.
É mais fácil compreender como a criança vivencia emocionalmente a perda e o luto quando se conhece a forma como a morte é concebida ao longo do desenvolvimento cognitivo. À medida que o pensamento e a forma de abordar o mundo vão se desenvolvendo, a criança vai aperfeiçoando e alterando sua concepção de morte. O conceito de morte é diferente em cada fase do desenvolvimento cognitivo:
  • Antes dos três anos: não há compreensão do significado da morte e a criança raramente se perturba com a morte, mas pode ficar ansiosa em função da reação dos familiares.
  • A partir dos três anos: a criança entende a morte como um processo reversível, sendo algo temporário e não permanente.
  • Aos cinco/seis anos: a criança começa a entender a morte, mas a considera um evento não natural e não compreende seu caráter irrevogável, pois a morte está fora de sua própria experiência. Ela passa a associar a causa da morte a termos mágicos (bicho-papão, fantasmas, bruxas).
  • Após os sete anos: começa a compreender que a morte é irreversível e passa a questionar a respeito. Também passa a fazer menção às causas concretas da morte (doenças, veneno, acidentes).
  • Aos dez anos: entende a morte como fim da experiência da vida e como processo irrevogável. Tem condições de compreender o sentimento de perda.
  • Após os onze anos: a criança entende o real sentido da morte e passa a percebê-la como condição natural do ciclo de vida.
Nas crianças, o luto patológico pode conduzir ao isolamento, a retrocessos do desenvolvimento, infantilização, desinteresse, sintomas psicossomáticos, insônia, pesadelos, perda de apetite, medo, angústia de separação, crises de pânico e ansiedade, incapacidade ou recusa de encarar a realidade, depressão leve e crônica, baixa autoestima e baixo rendimento escolar. É possível ocorrer também pensamentos ou tentativas de suicídio.
Uma vez que as crianças possuem pensamentos, conceitos e percepções distorcidas ou imaturas a respeito da morte, principalmente do conceito de irreversibilidade, se tornam mais propensas a ideias e tentativas de suicido advindas de uma perda significativa.
No contexto clínico, destacam-se quatro tarefas que o psicólogo deve promover na intervenção para que as crianças atravessem o luto:
  1. Compreender: a criança procura determinar de forma interna a causa da perda e a situação em que ela aconteceu.
  2. Lamentar: é o sentir e experimentar os sentimentos dolorosos da perda e compreendê-los como algo normal nessa situação.
  3. Comemorar: é desenvolvida uma forma pessoal e significativa de relembrar e homenagear a pessoa que se perdeu.
  4. Seguir em frente: fazer com que a criança descubra maneiras de manter uma conexão interna com a pessoa perdida ao mesmo tempo em que desenvolve novas atividades, novas amizades, frequenta a escola e brinca.
Outras propostas de intervenção clínica incluem atividades de ludoterapia, desenho da representação da morte, atividades de homenagem ao falecido e cartas de despedida, narração de histórias relacionadas com o assunto, biblioterapia com livros que explorem o contexto vivido. Estas atividades facilitam a elaborar e encontrar um significado para os sentimentos da criança, além de promover mudanças de significado da relação com a pessoa perdida.
No processo de elaboração do luto infantil, o mais importante é que a criança expresse seus sentimentos. Deve-se enfatizar que desde que a criança tenha acesso às experiências desse momento, a partir de seu desenvolvimento cognitivo e intelectual, ela tem capacidade para elaboração do luto. O principal papel da família é ajudar nos momentos de tristeza e incentivar que ela expresse seus sentimentos, inclusive os negativos, tais como raiva e culpa, que são considerados normais nesse processo.
Referências
FERREIRA, J. B. A.; SILVA, S. A.; OLIVEIRA, P. A.; CARVALHO, E. L. L. Perda e luto na infância: o desvinculo e suas consequências na formação do psiquismo.
PEDRO, Ana; CATARINO, Andreia; VENTURA, Diogo; FERREIRA, Fabiana; SALSINHA, Helena. A vivência da morte na criança e o luto na infância. 2010. Disponível em Psicologia.Pt
TEIXEIRA, Alyne Nogueira. Expressividade emocional na elaboração do luto infantil: um enfoque analítico-comportamental. Disponível em BVS-Psi.
TORRES, Nione. Luto: a dor que se perde com o tempo (…ou não se perde?). Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicoterapia. 2013.

 

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